A Criatividade na Era Digital

Esta é uma relfexão de Bruno Poncinelli e Matheus Dacosta

A sociedade passa por diversas transformações socioeconômicas e culturais que permeiam a relação dos indivíduos entre si, com o ambiente, com o trabalho e com o tempo (ou a falta dele).

Diversos autores se propõem a debater esta inter-relação homem-trabalho-lazer.

Neste artigo é proposta uma reflexão através da co-relacão dos conceitos de cibercultura, ócio criativo e o surgimento das idéias, no contexto da criatividade da sociedade que vive na era digital.

A cibercultura diz da relação do indivíduo com a tecnologia, relação esta que é permeada pela cultura e valores sociais. A cibercultura constrói teias de relações dinâmicas que produzem na sociedade novas formas de ser e de estar. Isto porque as tecnologias digitais fazem a cada dia mais parte da nossa rotina, da nossa vida, e sua utilização não está mais limitada a casa ou ao trabalho.

A sociedade se conecta as mídias sociais, tem acesso a leituras, a vídeos, a reportagens enquanto está no trânsito, nos transportes públicos, num almoço em família, num encontro de amigos ou enquanto aguarda na fila do cinema aproveitando para ler os comentários recém publicados sobre o que estão prestes a assistir.

Esta acessibilidade aos dispositivos móveis como SmartPhones e Tablets com acesso direto a internet, possibilita que idéias sejam divididas quando surgem nos momentos de “ócio”. Segundo o dicionário da língua portuguesa o ócio revela uma ambivalência, pois é descanso, lazer e repouso, mas é também inatividade, preguiça.

O autor Domenico De Masi, no livro “Ócio Criativo”, apresenta a idéia de ócio criativo defendendo que o futuro pertence a quem souber libertar-se da idéia tradicional do trabalho como obrigação ou dever, e for capaz de apostar numa mistura de atividades onde o trabalho se confunde com o tempo livre e  com o estudo e com o jogo, experimentando o “ócio criativo”. De Masi ainda observa que a palavra ócio tem sentido negativo, pela possibilidade de ser transformado em violência, neurose, vício e preguiça, mas observa que pode ser benéfico, pois o mesmo pode se manifestar na arte, a criatividade e a liberdade. É no ócio que devemos concentrar nossas potencialidades.

Neste contexto em que o ócio e o trabalho se misturam em um invólucro de acessibilidade e facilidade pelos mecanismos da era digital, assim estamos aplicando o “ócio criativo” em seu estado puro de forma libertária, ou estamos sendo consumidos pelo trabalho contínuo? É uma linha tênue entre o “produzir incessante” e o “aproveitar” da acessibilidade digital.

A  acessibilidade vivida na cibercultura possibilita que idéias sejam registradas, compartilhadas, aprimoradas e transformadas, pois a tecnologia está disponível e faz parte do nosso dia-a-dia. E este produzir não é necessariamente laborativo, mas sim a manifestação do ócio criativo pelo prazer de criar. Na era digital o trabalho é incorporado ao ócio e vice-versa através do acesso à mecanismos tecnológicos como computador, tablets e smartphones.

As mídias sociais trazem à tona algo há muito esquecido: o tempo livre (Adorno, 2001). Por muito tempo a noção de tempo livre foi um sentimento de alienação do trabalho e correspondia aos momentos nos quais o trabalhador mantinha-se afastado de suas funções. Tempo livre era sinônimo de escape mental e físico, como define Adorno (2002): Estar em seu tempo livre é “não lembrar em nada o trabalho”.

Na década de 1950, o show business era vendido ao homem para que ele saísse de casa e esquecesse completamente o ambiente de trabalho e tudo relacionado a ele. Atualmente, o entretenimento é vendido, direta e indiretamente, ao consumidor para que ele em sua casa, busque a satisfação. Esse entretenimento surge através de diversas fontes, algumas anônimas e outras clássicas. Quando anônimas, remete-se ao conceito de “inteligência coletiva” de Pierre Lévy (1998), como um emaranhado de opiniões que também chamamos de senso comum. Já o show business seria a grande mídia que redireciona seus produtos comunicacionais e culturais para as redes sociais.

No texto de Walter Benjamin, “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica” (publicado em 1955), o autor procura entender de que modo a produção artística tem sido veiculada através de diversas mídias como a fotografia e o cinema.

O  que Benjamin chama em seu texto de “reprodutibilidade técnica” é a entrada do processo industrial na produção artística. O gramofone, o cinema e a fotografia traziam à tona uma série de novas questões acerca da obra de arte. É levantada a questão se um filme ou uma fotografia podem ser considerados uma obra de arte, já que a máquina interfere diretamente na expressão do artista, por exemplo.

Obras de arte podem ser reproduzidas a qualquer momento: um quadro está em um determinado museu, favorecido por uma iluminação afim, bem como uma ópera acontece em um certo teatro em uma noite previamente escolhida; um filme, porém, pode ser exibido várias vezes em diferentes locais e em momentos diversos. A preocupação de Benjamin é na verdade com a unidade da obra arte, o que ele chama de “aura”. Dessa forma, a reprodutibilidade tira da obra de arte sua aura e com isso, seu próprio status de obra de arte.

No início do século XX, a reprodução técnica tinha atingido um nível que começava a conquistar o seu próprio lugar entre os procedimentos artísticos. Se na época da publicação do texto de Benjamin havia um processo muito próximo da produção em série da obra de arte, atualmente já não existem grandes diferenças. As semelhanças são acentuadas pelas possibilidades de transferência da informação, principalmente pela internet, permitindo a aquisição de um conteúdo, além de poder replicá-lo.

Referente a esta nova possibilidade de replicação, Rafael (2011), afirma que o tempo livre de hoje pode ser preenchido de três formas distintas, porém, complementares:

– Produção de informação/conteúdo: o usuário produz o conteúdo e o disponibiliza a outrem, via e-mail, mídias sociais, comunicadores instantâneos ou outros meios.

– Aquisição de conteúdo: o usuário de internet apenas recebe o conteúdo, não significa que o compreende ou assimila e, nesse caso, ele é o fim da cadeia de propagação.

– Replicador: recebe, na maioria das vezes assimila a informação, e a transfere a outros.

Ao escrever um texto, compor uma música ou fazer um desenho, o indivíduo se inclui no primeiro estágio (Produção de informação/conteúdo), e quando este conteúdo é compartilhado por meio das mídias sociais, por exemplo, ele se coloca no terceiro ponto (replicador).

Então qual o papel da criatividade em uma sociedade que vive a era digital? Steven Johnson em sua palestra “De onde vêm as boas ideias” aponta que as idéias não surgem “do nada” ou como “eureka”. Elas emergem aos poucos até que o conceito fique claro e de fato a idéia se concretize. Trata-se de um período de incubação que por meio da intuição e dos instintos os conceitos se emergem.

Ainda em 1700 os bares e cafés ingleses eram os pontos de encontro dos Iluministas, onde ideias e conceitos eram argumentados e discutidos. Era um ambiente que o ócio criativo era proporcionado, exercendo a “inteligência coletiva”, muito próximo do que vemos hoje na internet, principalmente nas mídias sociais. A  acessibilidade vivida na cibercultura potencializa o que antes somente era possível ser feito de forma presencial. Idéias são registradas, compartilhadas, aprimoradas e transformadas, pois hoje a tecnologia encurta cada vez mais as distâncias entre as discuções e os argumentos. Johnson ainda observa que as boas ideias nascem em um meio em que haja a probabilidade de existir um grande número de interligações e novas formas de colaboração.

As tecnologias digitais fazem a cada dia mais parte da nossa rotina, da nossa vida, e sua utilização tendencia ser cada vez mais simbiótica, em breve não fará mais sentido estabelecer diferenças entre o mundo de átomos e o de bytes, como afirma o pesquisador André Lemos. Podemos então concluir que vivemos em uma sociedade com muito potencial criativo, uma vez que os conceitos ideais do “ócio criativo” são potencializados num ambiente de fácil e rápida produção, aquisição e replicação de conteúdo pela internet, possibilitando o surgimento de novas idéias.

Referências:

ADORNO, Theodor W. Tempo livre in Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

BENJAMIN, Walter. A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. 1955.

DE MASI, Domenico. O Ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

LÉVY, Pierre. A Inteligência coletiva. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1998.

LÉVY, Pierre. O Que é virtualização? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999.

 

Referências eletrônicas

Cibercultura. Wikipedia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cibercultura>. Acesso em: 29 maio. 2013

Steven Johnson. De onde vêm as boas idéias.Ted.Disponível em: <http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/steven_johnson_where_good_ideas_come_from.html >. Acesso em: 29 maio. 2013

Ócio criativo. Wikipedia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/O_%C3%93cio_Criativo >. Acesso em: 29 maio 2013.

Resumo do livro “Ócio Criativo” de Domenico Di Masi. Universide Ferderal de Santa Catariana. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/3810-3804-1-PB.pdf >. Acesso em: 29 maio. 2013